sábado, 7 de março de 2009

OPINIÃO

ESTUPRA, MAS NÃO MATA!
Simão Vieira de Mairins*
Dois casos polêmicos envolvendo lideranças da Igreja Católica tomaram os noticiários nas últimas semanas. Não falo das denúncias de pedofilia ou da complacência com políticos corruptos, assuntos tão banalizados quanto os conflitos no Oriente Médio e as trocas de tiros nas favelas brasileiras. Falo do espetáculo de intolerância e obscurantismo dessa mesma instituição tão bem apresentado pelos arcebispos da Paraíba e de Recife e Olinda.
O conservadorismo de Aldo Pagotto e José Cardoso Sobrinho nunca foi segredo. Sua subserviência - mais que compreensível - à doutrina que juraram respeitar, também não. Nem de longe, representam a igreja - igreja no sentido de povo - que tinha em homens como dom Hélder Câmara um amigo, um aliado.

Hoje, imprensa, movimentos sociais, intelectuais, partidos (de esquerda, ex-esquerda, centro, e tudo mais que tem por aí) repudiam, com toda razão, os dois religiosos pelas atitudes tomadas recentemente. Nada mais legítimo que a sociedade se manifeste contra atentados à racionalidade humana. Proibir um sacerdote de exercer suas funções por ele defender a vida e excomungar profissionais e uma mãe sob a acusação de assassinato, por causa do aborto em uma menina de nove anos violentada pelo padrasto, além de contraditório, é insano.

Pagotto e Sobrinho são sim o que pintam por aí. Mas eles, como o repórter - que vai para a rua, a mando do chefe, catar subsídios contra os dois religiosos - recebem ordens e têm de cumprir. O mal se difunde através de quem o executa, mas brota todos os dias de quem o ordena. O fato é que a Igreja Católica, do alto de seu Estado Vaticano, com base em uma Constituição Divina, que, cotidianamente, durante séculos, homens têm apresentado emendas a seu bel prazer, manda seus bispos e padres e se esconde atrás das falácias que a sustentam desde a origem.

No entanto, nos jornais, nas manifestações, nas escolas, nas universidades, o cuidado para não ferir o Vaticano, claramente expressada na grande maioria dos atos de repúdio, chega a ser tão obscurantista quanto as posturas criticadas. Revidar em Pagotto e Sobrinho ao mesmo tempo que se afaga a instituição etérea do Catolicismo é como condenar os soldados americanos pela morte de iraquianos e inocentar George Bush. Se Aldo Pagotto diz que Luiz Couto não pode mais rezar missa, é o que diz a Santa Igreja Católica. Se José Cardoso Sobrinho parodia Paulo Maluf ao dizer que o estuprador não pode ser excomungado, porque o aborto é mais grave que o estupro, é uma ordem de Bento XVI.

A igreja não precisa de Igreja. Ter fé independe de doutrina. Prefiro correr o risco de não ir para o Céu a ter a certeza de que, em vida, fiz coro com uma instituição que diz: estupra, mas não mata!

*Pernambucano radicado na Paraíba, batizado na Doutrina da Igreja Católica Apostólica Romana, crê em Deus, mas não costuma ir à missa, não acredita em santos (mas também não doa dízimo), usa camisinha e defende o aborto em alguns casos.

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